Por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram hoje (31) manter a decisão individual da ministra Cármen Lúcia de suspender decisões da Justiça Eleitoral que determinaram ações policiais e de fiscalização eleitoral nas universidades públicas durante as eleições. No entendimento da Corte, a liberdade de expressão no ambiente acadêmico é garantida pela Constituição e não pode ser restringida.
A Corte julgou o referendo à liminar da ministra, que foi proferida na semana passada. As decisões da Justiça Eleitoral em diversos estados foram questionadas no STF pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Segundo a procuradora-geral, Raquel Dodge, as decisões ofenderam os princípios constitucionais da liberdade de expressão e de reunião.
Além disso, estudantes e a comunidade acadêmica classificaram as decisões como censura prévia à liberdade de expressão. Em sua maioria, os protestos foram organizados contra o presidente eleito Jair Bolsonaro, então candidato.
Por outro lado, os tribunais regionais eleitorais (TREs) informaram que decisões foram proferidas para coibir a propaganda eleitoral irregular a partir de denúncias feitas por eleitores e pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).
Votos
O primeiro voto na sessão foi proferido pela relatora, Cármen Lúcia. Ao reafirmar seu entendimento, a ministra disse que as decisões determinaram ordens de busca e apreensão e a interrupção de manifestações sem comprovar o suposto descumprimento da norma eleitoral, que impede propaganda em órgãos públicos.
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes entendeu que as medidas atentaram contra a liberdade de reunião, prevista na Constituição. Para o ministro, as decisões da Justiça Eleitoralpretenderam limitar ou interromper a discussão nas universidades.
“Há um ranço paternalista de que o eleitor não pode ter o amplo conhecimento de tudo, de que o eleitor não pode exercer o exercício crítico”, disse Moraes.
Gilmar Mendes disse que o episódio envolvendo a presença de policiais nas universidades lembra “momentos tristes na história mundial”. Ele citou casos de queima de livros durante o período do nazismo na Alemanha, na década de 1930, e a invasão de militares na Universidade de Brasília (UnB), durante o regime militar.
“É inadmissível que, justamente no ambiente em que deveria imperar o livre debate de ideias, se proponha o policiamento político-ideológico da rotina acadêmica”, afirmou.
O voto de Gilmar foi além do caso concreto e propôs que a medida fosse estendida a todos os casos de impedimento à liberdade de cátedra, ou seja, que atentem contra a liberdade dos professores para ensinar.
O ministro citou o caso da deputada estadual eleita Ana Campagnolo (PSL-SC), que divulgou um número de telefone para receber denúncias contra professores que praticarem doutrinação política dentro de sala de aula. Apesar do voto de Gilmar contra a futura parlamentar, a sugestão não foi aceita pelos demais ministros porque não foi analisado o caso concreto da deputada.
O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que as decisões confundiram propaganda eleitoral com liberdade de expressão. “A liberdade de expressão é uma liberdade preferencial dentro de um Estado de Direito. O passado condena. Nós temos uma tradição de cerceamento da liberdade de expressão.”
O ministro Edson Fachin afirmou que o Estado não pode determinar o que vai ser discutido dentro das universidades. “O que debater, como debater são decisões que não estão sujeitas ao controle estatal prévio”.
Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello também votaram no mesmo sentido.
Manifestações
Em defesa dos juízes eleitorais, o advogado Alberto Pavie Ribeiro, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), disse que os juízes cumpriram a lei eleitoral e que houve denúncias de propaganda eleitoral negativa contra o então candidato a presidente Jair Bolsonaro durante a campanha. Ele citou um caso no Riode Janeiro, onde uma ordem de busca e apreensão foi determinada contra uma faixa que associava Bolsonaro ao fascismo.
“Fora do período eleitoral não havia problema algum com a realização da aula pública, mais se assemelharia a uma assembleia, a um comício que tratasse não apenas do fascismo”, argumentou.
A advogada Mônica Ribeiro Tavares, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), manifestou-se contra as decisões judiciais, dizendo que universidade é um espaço democrático e que, no ambiente escolar, a livre manifestação do pensamento tem de ser respeitada.
“A única restrição que esses direitos podem sofrer é a que advém da própria Constituição Federal para resguardar outros direitos fundamentais por ela previstos”, disse.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, confirmou seu entendimento sobre a questão e disse que a Constituição garante a liberdade de apreender, ensinar e divulgar o pensamento do pluralismo de ideias.
“As decisões proferidas contrariam a jurisprudência do STF, que tem refirmado a liberdade do pensamento e de comunicação”, concluiu.
Fonte: André Richter – Repórter da Agência Brasil
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