A tribuna livre da Câmara de Vereadores de Eunápolis foi ocupada no dia 28 de maio pela assistente social Simone Muriele Moraes, também coordenadora do projeto social Grito Solitário. Ela usou o espaço de 10 minutos da tribuna livre, durante a sessão ordinária, para relatar sua própria história de luto pela perda de uma filha com 38 semanas de gestação.
Em sua fala emocionada, Simone ilustrou como transformou a dor em recomeço e detalhou as ações do projeto de acolhimento aos pais enlutados, denominado de Semana “Alice” de Sensibilização à Perda Gestacional, Neonatal e Infantil. Cinco municípios baianos já aprovaram a iniciativa que se encontra hoje tramitando em Brasília.
O projeto de lei para implantação nacional de protocolos de atendimento e acolhimento, nas maternidades públicas ou privadas, de mães e famílias que perderam os bebês, já foi aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados Federais e deve ser encaminhado para votação do Senado.
Além disso, o Projeto de Lei enfatiza a humanização do atendimento médico-hospitalar e a disponibilização de apoio multiprofissional aos pais que passarem pela morte prematura de seus filhos.
15 de Outubro é o Dia Internacional de Conscientização da Perda Gestacional. E “Alice” refere-se ao nome da filha da assistente social Simone Muriele Dourado Monteiro Moraes, idealizadora desta iniciativa em Teixeira de Freitas. Acompanhe nesse vídeo como foi a sua fala:
“Meu nome é Simone Muriele Moraes, mãe de Kadu, Alice, Bem e Amora. A maternidade para mim vem desde a infância, uma mulher nordestina que aprendeu desde cedo a cuidar dos irmãos, enquanto os pais trabalhavam na lavoura. Desde pequena nutriu o sonho de ser mãe. Aos 20 anos se casou e o sonho de constituir uma família já estava realizado mas estava disposta a ter filhos e mantinha o sonho de ser mãe de menina. E ele foi realizado a partir do momento que engravidou de uma menina chamada Alice. Com 38 semanas de gestação sem nenhuma intercorrência, infelizmente, o coração de minha filha parou de bater ainda dentro do meu útero. Pais e mães conhecem de perto esse amor incondicional de perto. E quando a gente enfrenta uma doença, que nossos filhos ficam doentes, até mesmo um resfriado, que a gente não tem controle sobre aquilo, a gente se depara diante do medo. O medo de perder seu filho naquele momento. E quando essa morte precede ainda dentro do ventre? Esse é um luto muito silenciado. É invisibilizado pela nossa sociedade. Validar essa maternidade dessa mãe que perdeu esse filho é extremamente importante. Hoje, eu não sou mãe de três filhos. Eu sou mãe de quatro filhos. E todos os meus filhos e todas as vidas deles importam, independente se teve 38 semanas, 10 semanas, 20 semanas. O tempo determinado de vida desse filho não determina esse amor que nutrimos por ele. Quando a gente fala de uma Semana de Sensibilização sobre a Perda Gestacional e Neonatal a gente fala sobre um papel de educação social da nossa sociedade de validar essa maternidade. Eu acredito que todos nós conhecemos um pai ou uma mãe que perdeu um filho. E porque a importância de trazer essa pauta sobre perda gestacional e neonatal e infantil (quando eu falo neonatal é sobre o bebê que nasceu e morreu até 27 dias de nascido ou criança até 10 anos de idade). Porque a gente luta por respeito, para que essas famílias tenham o devido respeito, o devido acolhimento. O que acontece hoje dentro das nossas maternidades? Quando um pai ou uma mãe perde um filho ali dentro da maternidade, no meu caso como foi uma perda gestacional, eu tive de compartilhar uma sala junto com outras mães que estavam parindo seus bebês ali ao meu lado. Hoje eu sou fundadora de um projeto que se chama Grito Solitário, é o grito de felicidade dos pais ali do meu lado com o meu grito solitário de dor pela perda da minha filha. Isso não só aconteceu comigo como acontece com a grande maioria das mães e das famílias que eu atendo por intermédio desse projeto. Atualmente, o projeto é mantido exclusivamente por mim e pelo meu marido. Porque, devido a toda a dor e o sofrimento que nós passamos naquele local, eu prometi a minha filha que eu não permitira que ninguém próximo a mim passasse por algum momento igual a esse sem o acolhimento e sem o respeito. Então, a partir do momento em que me colocaram em uma ala junto com outras mães parindo. No momento em que não permitiram que meu marido estivesse comigo naquele momento e me deixaram só. No momento em que o ultrassonografista disse o diagnóstico de morte da minha filha eu estava sozinha. Ninguém está preparado para perder um filho. E quando você ouve de uma forma fria, sem uma assistência humanizada e respeitosa isso potencializa a sua dor, a dor do seu luto. O luto pela perda de um filho é uma dor inominável. Se alguém perguntasse se amputasse o seu braço sem anestesia se compara? Eu digo a você, não se compara. A dor de perder um filho ultrapassa qualquer barreira do sentir. E quando você não tem um atendimento humanizado e respeitoso, isso provoca um luto que pode ser patológico mais adiante. Eu tive que sofrer e fazer a travessia do meu luto, pela perda da minha filha, mas também tive que fazer a travessia do meu luto pelas negligências e violências praticadas. Infelizmente, uma em cada quatro mães pode passar pela morte de um filho ainda no ventre. Essas mulheres são invisíveis. Ninguém cumprimenta. Ninguém deseja feliz dia das mães. A sociedade não valida essa maternidade com expressões como: você é muito nova, você pode ter outro. Um filho é insubstituível. E se nascesse com uma deficiência? Um filho com uma deficiência porventura não tem o direito de ser amado? Ah, isso foi a vontade de Deus. Mas dizer isso quando um pai ou uma mãe está enterrando seu filho isso é desumano. Quando a gente fala em promover a humanização no serviço de saúde, a gente fala de dar o mínimo de conforto que essa família precisa. Por que não permitir que essas mães e suas famílias fiquem em alas separadas e tenham protocolo de atendimento específico e humanizado? Elaboramos protocolos nacionais de atendimento a essas mães que perderam seus bebês para que minimizem os impactos desses danos e dessas violências nessas famílias. Isso não é fácil. Implantar esses protocolos dentro das maternidades é uma luta minha e que graças a Deus está surtindo efeito em alguns lugares. Eu estou aqui em Eunápolis apresentando o sexto projeto de Lei Semana “Alice” de Sensibilização, nós temos cinco municípios baianos que já aprovaram a Semana e eu tenho certeza que será aprovado em Eunápolis porque as famílias eunapolitanas, as mulheres que enfrentam o luto pela perda de um filho merecem esse projeto de lei e não só merecem que uma lei seja aprovada, mas merecem que o programa seja implantando na sua integralidade e eu estou disponível para que possamos colocar esses protocolos de atendimento humanizados nas maternidades, tanto públicas ou privadas. Nós temos um projeto de lei nacional que está tramitando e já foi votado na Câmara de Deputados Federais. Já foi aprovado em primeiro turno e está sendo encaminhado ao Senado. Eu tenho certeza que a política nacional de humanização será uma realizadade para muitas famílias e muitos municípios. Eu conto muito que aqui em Eunápolis possamos promover a humanização e a assistência e que a gente, como sociedade, acolha e respeite a dor que essas famílias estão passando. É algo muito complexo e o tempo que eu tenho aqui não conseguiria expressar tudo que esse projeto de lei pode realizar nesse município. Então se você ainda não reconheceu a pessoa ao seu lado que teve a perda de um filho, a partir de hoje possa reconhecer e validar essa maternidade para ela, porque mesmo depois de 20, 30 ou 40 anos que uma mulher perdeu um filho, esse filho ainda continua fazendo parte da vida dela. Por fim abraço as todas as pessoas aqui e por acolherem esse projeto.
Matéria – Jornalista Rose Marie Galvão
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